segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Provocando a discussao - Autor: Umoi Souza

Hoje sentimos a necessidade de um estudo mais pormenorizado de cada opção do vasto leque que a arte capoeira nos oferece.

É inevitável o desmembramento teórico da capoeira quando se tenta entendê-la por completo. Entendimento facilitado pela visão facetada. Porém, acredito que essas facetas da capoeira não são independentes. São, no conjunto, a estrutura que compõe todo o intrigante quebra-cabeças dessa arte-luta-esporte-etc.
Mestre Farol, do Grupo Guerreiros diz o seguinte: “o capoeirista não aprendeu a discutir. O capoeirista precisa ter informação. E só através de curso, trabalhando em cima do aspecto cultural você vai fazer a cabeça do novo capoeirista. Nosso país está se tornando um país muito egoísta. Isso por causa dos problemas das emissoras de televisão, da política que afeta, também, o capoeirista... sobre as várias vertentes na capoeira, cada um diz sobre a sua verdade na capoeira e na realidade, no fundo, se nós unirmos todo mundo, ninguém sabe muito de onde são retiradas determinadas informações que nós seguimos como regra... ...sobre a quantidade de informação que o capoeirista tem, as pessoas estão precisando se abrir mais ou desmembrar a capoeira para o entendimento de cada um: isso é capoeira antiga, isso é capoeira acrobática, isso é capoeira luta, isso é capoeira dança...” trecho da entrevista concedida em Porto Alegre em 1995. Arquivo Grupo União.
Passados mais de dez anos dessa entrevista acredito que pouca coisa tenha mudado na visão do Mestre Farol no tocante à necessidade do entendimento da capoeira e da importância do tratamento da informação que se dá ao novo capoeirista.
A internet está repleta de informações, livros, teses universitárias e até muito material audiovisual está, hoje, à disposição de toda gente.
Assim como é muito importante conseguirmos ver as coisas de outro ângulo também vejo a necessidade de usarmos outros filtros para absolver o que tiver de bom e produtivo nesse oceano de informações sobre capoeira.
Um bom filtro, na minha opinião, é o pensamento crítico. Cuidado com as afirmações na capoeira! Elas são perigosas, ditatoriais e refletem, na maioria dos casos, um autor egocêntrico e ofuscado com seu próprio brilho.
Contudo faço uma observação que considero pertinente ao assunto que é a existência dos Grupos de Capoeira onde eu credito toda a legitimidade para se fazer afirmações, criarem regras, uniformes, graduações, sistemas de conduta, expressões faciais, modelação física, formação de bateria, utilização de instrumentos, etc. desde que: faça tudo isso em nome do seu Grupo e não em nome da capoeira. O que muitas vezes é tentado por órgãos que se apresentam como “organizadores da capoeira”...

Ninguém sabe o bastante que não possa aprender com outro.
Ainda que se possa pensar que seja um contra-senso vejo a necessidade da discussão sistemática e possível entendimento das opções que temos na capoeira afim de que o estudo, como ferramenta da expansão inevitável da arte, seja um dos elementos formativos do futuro bom jogador.
Não proponho apenas o estudo tradicional da sala de aula ou das universidades que, nos últimos anos, têm sido verdadeiras fábricas de teses capoeirísticas de mestrandos e doutorandos acadêmicos. Proponho que cada mestre de capoeira tenha sua formação empírica mas não esquecendo de por em causa o que se possa assimilar a falsas tradições ou costumes inventados que servem a um grupo seleto de pessoas sem efeitos massivos na capoeira.


Assim, seria útil e eficaz o intercâmbio de saberes entre praticantes de capoeira que estivessem mais voltados ou decididos a vivenciar a capoeira nos aspectos:
Marcial, esportivo, folclórico, filosófico, educativo, cultural, etc..

Estes aspectos aparentemente se harmonizam nos conhecimentos do “bom capoeira”. Porém, há que se fazer uma referência àqueles que escolhem apenas um seguimento desses para nortear sua capoeira, sem que haja a “perseguição”. O diferente é apenas diferente e não o errado. E o conhecimento e entendimento do que é diferente é que fomenta a sabedoria.
A federações, confederações, associações devem continuar a desenvolver seus projetos de expansão e de regras sob uma ótica técnica e de interesse dos respectivos federados, confederados, associados. Todavia, não nos esqueçamos de que as rodas de capoeira já foi palco de muita coisa negativa no passado. Nossa arte perseguida e, se não fosse pela resistência dos capoeiras do passado, quase reduzida a pugilato de 5ª categoria e esses organismos deveria ter a séria preocupação de respeitar a decisão de quem NÃO deseja fazer parte dos seus quadros sem que isso o torne num alvo a abater, a perseguir ou ser, mais uma vez, marginalizado.

Fala-se muito em unificação, padronização, uniformização, graduação, formação e assistimos a um grande número, cada vez maior, de estatutos na capoeira: Aluno, treinel, monitor, estagiário, graduado, formado, formando, mestrando, contramestre, mestre, grão-mestre, mestríssimo, professor, instrutor...
Volto a insistir na soberania dos grupos de capoeira que criam suas regras, seus uniformes, cores representativas (como o saudoso Ypiranga de mestre Pastinha), estatutos e exigências na hora de graduar.

Nos grandes eventos, onde muitos e diferentes grupos estão participando, podemos ver reunidos todos esses jogadores com seus respectivos estatutos e/ou cordas. O jogo que se segue, continua sendo o mesmo, com ou sem estatuto. Com ou sem cordas.

Contudo, existe algo abstrato na capoeira que gradua e também premia o capoeirista. Não é um prêmio dado por ninguém. É adquirido na vivência da capoeiragem e por isso mesmo não é raro vermos determinada pessoa ser considerada mestre por muitos sem, no entanto, não portar alguma corda, documento ou marca exterior que a identifique como tal.

É sua forma de estar, seu comportamento assertivo, seu domínio dos instrumentos, sua forma coerente de cantar o que acontece no momento e no ambiente do jogo, sua idade e sua intimidade visível com o espaço da Roda de Capoeira que o qualifica, gradua, reconhece.

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