segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ao Mestre Com Carinho - Uma homenagem ao Mestre Ousado.

“Ao mestre, com carinho...”

É sempre difícil manter a imparcialidade quando falamos de pessoas amigas. No caso do meu amigo mestre Ousado, se torna mais difícil, pois alem da amizade, tenho grande admiração. Mas tentarei ser, efetivamente, imparcial ao dedicar minhas palavras e recordações desse ícone da capoeira chamado mestre Ousado.
Bom, meu nome é Umoi Melo de Souza, sou de Brasília e sou um capoeira. É muito comum ouvirmos os nomes de capoeiras com certa expressão no nosso meio.
Já muito antes de deixar Brasília para me aventurar pelo velho mundo eu já ouvia falar da figura de um tal Mestre Ousado.
Nos bate-papos de fins de rodas, de eventos os assuntos são quase todos sobre capoeira e sobre capoeiristas.
Num desses bate-papos em Brasília eu ouvi falar do meu amigo. Do grande capoeira que era e de como estava fazendo inglês gingar ao som de berimbau.
Foi um camarada que morava na Alemanha que de passagem por Brasília nos falou um pouco da capoeira na Europa e entre os nomes citados por ele ouvi, pela primeira vez, o nome mestre Ousado.
Em 1990 cheguei em Portugal como mais um capoeira que deixou pra trás sua terra e se aventurou pelas voltas do mundo.
Mais uma vez, em contato com a capoeiragem européia ouvi o nome Mestre Ousado e me perguntava o porque desse apelido Ousado.
Em 1993 tive a oportunidade de participar de um evento de capoeira na cidade de Londres e um a um os convidados iam sendo apresentados e de repente foi anunciado: from London, Master Ousado.
Lá estava eu, finalmente, numa roda de capoeira, em Londres com o famoso Ousado. Vi aquele tipo moreno, estatura media e robusto como um touro agradecer as palmas e cumprimentar os outros convidados. Ao me cumprimentar se pos ao meu lado e pude, a partir desse momento, iniciar uma amizade que dura até o momento em que escrevo essas palavras.
Me fascinei com seu jogo duro, porem educado. Reparei no símbolo do seu uniforme impecavelmente branco - Argola de Ouro.
Não sei bem porque, mas tivemos uma empatia desde o inicio e, infelizmente, nessa roda mestre Ousado sofre um acidente, deslocando a mão esquerda (se não estou enganado). E devido o estado que ficou sua mão, quiseram o levar para o hospital carregado. Mestre Ousado se recusou ser carregado dizendo: Não precisa me carregar, eu vou andando. Nesse momento, segurando sua mão com a outra, se levantou, olhou para o público e saiu da roda caminhando, cabeça erguida e sob um forte aplauso da platéia e ainda, acenando com a cabeça, agradeceu as palmas e com sorriso no rosto, segurando a dor que sentia.
Desde esse ano passei a convidá-lo para meus eventos e encontros de capoeira em Portugal, aos quais, mestre Ousado sempre marcou presença, nunca me impondo condições especiais por ser um mestre. Veio sempre nos ajudar e dividir com todos nós seus conhecimentos de capoeira experiente, de mestre rodado e conhecedor.
Passei a representar Portugal nos seus eventos em Londres.
Dono de uma grande humildade eu nunca assisti o mestre Ousado tecer algum comentário depreciativo de outro capoeira, ainda que pudesse ter opiniões diferenciadas de um ou de outro. Sempre o vi respeitando o estatuto de cada capoeira, respeitando as condições de jogo e respondendo, de forma educada, às perguntas que lhe foram feitas durante os jogos que tive a oportunidade de vê-lo jogar. Lento, rápido, de dentro, de fora ou mais presente, mestre Ousado não esconde sua mestria e sabe jogar conforme o parceiro e mantendo sempre seu autocontrole.
É mestre que da lição e o titulo de mestre lhe encaixa bem, pois sabe usá-lo sem negligência e arrogância dos que se julgam sabedores de tudo.
Como mestre que ensina, se torna pai responsável que cuida dos filhos ainda que estes, nem sempre levam em consideração o pai que tem na capoeira. Não guarda mágoa. Deseja o bem para quem, direta ou indiretamente, lhe causa algum mal.
Certa vez, num encontro numa cidade da Espanha, vi um mestre mais novo achar o mestre Ousado numa tesoura, conseguindo tirar, por alguns segundos o equilíbrio do mestre. Eu que estava na bateria comentei com uma aluna minha que tocava pandeiro ao meu lado: veja o que vai acontecer agora. Praticamente dois segundos depois que eu falei isso o jovem mestre perdeu o chão debaixo dos seu pés e quando sentiu o chão outra vez foi com o corpo todo. Estava dada a resposta a uma pergunta feita de forma mal educada. Assim o mestre educa. E assim o jovem aprendeu que roupa de adulto não serve em menino.
São muitas rodas, muitos momentos e muitas conversas.
Muito momento em que estive apenas ouvindo suas histórias e passagens pelo mundo da capoeiragem. São momentos que ficaram gravados na minha memória e que guardo com carinho.
Falei ao mestre Ousado de um grande capoeira que conheci em 1979, cujo apelido era Besouro e qual não foi minha surpresa: Era grande amigo do mestre Ousado e dividiu comigo muitas passagens da sua vida que teve ao lado desse grande capoeira. Falei-lhe de alguns vultos da capoeira de São Paulo e mais uma vez o mestre me contou momentos e casos seus vividos com a capoeiragem paulista. Evocando sempre com muito respeito a imagem do seu mestre.
Hoje meu amigo caminha para os 60 anos de vida, dos quais, a maior parte bem vivida e dedicada à capoeira.
Na Europa, América do Norte, Ásia, não importa. Mestre Ousado é único e especial e que sorte tem o capoeira que pode, como eu, incluir no seu currículo de capoeira uma amizade tão rica, valiosa e sábia como a do nosso querido amigo Ousado, o Xerife de Portugal.
Deus te abençoe amigo, onde quer que esteja e como um capoeira que sou, te agradeço o enriquecimento da nossa arte que nos anima sempre a seguir em frente. Sua estrela há de continuar brilhando... sempre.
Seu amigo,
Umoi.

Parede, 16 de Junho de 2009

Um comentário:

  1. Salve mestre!
    Gostei muito de ler as palavras do senhor. Este é realmente um texto lindo que descreve muito bem as emoções que vêm aos capoeiristas nos momentos especiais da Capoeira. Muito obrigado.
    Axé!

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